Prefácio do Livro

“Marinha é navio”. Essa frase muito comum de se ouvir em nossa Força Naval, apesar de sua brevidade, é muito significativa. De fato, a Marinha é a parcela militar destinada a operar no mar, onde os navios são tão essenciais ao cumprimento da missão que se confundem com a própria Força. Não é por acaso que nossas Organizações Militares em terra possuem mastro, sino de bordo e portaló.

Um navio é muito mais do que um meio a ser empregado para a execução de tarefas do Poder Naval. Para nós marinheiros, é também o nosso segundo lar, que nos garante a sobrevivência nas desoladas longitudes salgadas. É um pedaço da nossa terra natal cujo pavilhão tremula em seus mastros, nos lembrando o porquê de estarmos longe de casa e dos nossos entes queridos.

Os navios têm alma.

Cada um deles é um mundo de convívio e camaradagem dentro de um universo de valores e costumes que irmanam os homens e mulheres do mar.

Aqueles que concebem e constroem navios não estão apenas materializando engenhos fascinantes, estão forjando mundos e, não raramente, estão ajudando a moldar o mundo em que vivemos. Basta lembrarmos dos construtores das inovadoras caravelas que, por navegarem contra a direção do vento, propiciaram os descobrimentos e grandes navegações portuguesas nos séculos XV e XVI.

Ao longo dos seus primeiros 200 anos de existência, a Marinha do Brasil já operou importantes navios construídos em estaleiros estrangeiros, alguns sob encomenda, como os imponentes Encouraçados “Minas Gerais” e “São Paulo”, e outros comprados usados, como os elegantes Cruzadores “Tamandaré” e “Barroso”. No entanto, parcela significativa da base material do nosso Poder Naval foi construída em estaleiros brasileiros, com destaque para o Arsenal de Marinha do Rio de Janeiro (AMRJ), que produziu as bem armadas e equipadas Fragatas “União” e “Independência”, as Corvetas das classes “Inhaúma” e “Barroso” e os submarinos classes “Tupi” e “Tikuna”, além de muitos outros navios militares.

Ao passarmos em revista a história da Construção Naval Militar brasileira, vemos muito nitidamente o quanto ela está atrelada à profícua e secular atuação do AMRJ, que é muito digna da nossa reverência, ainda que reconheçamos que tenha atravessado momentos diversos, ora apogeu, ora estagnação, muito bem descritos pelo Almirante Elcio de Sá Freitas, em seu livro “A busca de grandeza: Marinha, Tecnologia, Desenvolvimento e Defesa”. E, aqui, abro um parêntese para manifestar o grande orgulho que tenho por ter iniciado minha vida na Marinha testemunhando essa bela trajetória em um dos seus melhores momentos, na condição de aluno das escolas técnicas do AMRJ na década de 1970.

Outro aspecto a se reconhecer é a longa tradição de pioneirismo, competência, perseverança e dedicação da nossa Engenharia Naval Militar e dos patriotas profissionais brasileiros - militares e civis, engenheiros, técnicos e operários - que produziram, com suor e talento, cerca de uma centena de navios para a Marinha do Brasil, ao longo dos últimos 200 anos.

A importância do mar para a sobrevivência e prosperidade do Brasil não nos permite prescindir de meios navais em quantidade e com capacidades que permitam ao País o pleno exercício da sua soberania em suas águas jurisdicionais. E, diante dessa constatação, nunca é demais lembrar do alerta do ilustre jurista e diplomata baiano Rui Barbosa, de que “Esquadras não se improvisam”.

Assim, a Construção Naval militar brasileira desponta como um importante ativo estratégico, pois propicia à Nação maior independência na obtenção de meios navais tão necessários à proteção, vigilância e defesa da nossa Amazônia Azul, esse imenso mar de riquezas que pertence a todos os brasileiros.

Vivemos um momento onde as atenções do mundo vêm se voltando para o mar. De acordo com projeção da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico, a participação anual da atividade econômica ligada aos Oceanos, no âmbito global, deve chegar à casa dos três trilhões de dólares até 2030. A crescente preocupação dos mercados internacionais com as questões de sustentabilidade faz florescer uma Economia Azul que promete trazer muitas oportunidades para países marítimos como o nosso.

Por razões como essa, a Alta Administração Naval deve estar sempre empenhada na concepção e gestão de ações que logrem manter operando, em solo nacional, estaleiros habilitados a construir modernos meios navais para a nossa Marinha.

Tal necessidade será muito bem suprida por um consistente programa de longo prazo que, passo a passo, nos permita ter vários projetos de construção no decorrer do tempo, com nível crescente de complexidade, como, de certa forma, foi o Programa de Obtenção de Submarinos, iniciado com a construção de quatro submarinos convencionais e que vem capacitando os nossos técnicos e engenheiros, além da nossa indústria, para uma meta muito mais complexa: a construção de um submarino com propulsão nuclear.

Essa é a visão que nos motiva e que, certamente, servirá de farol para o Corpo de Engenheiros da Marinha, para os nossos operários e para todos aqueles que contribuem para que a nossa Construção Naval Militar possa se desenvolver continuamente, projetando um futuro promissor para a nossa Marinha e fazendo jus à sua bela história de glórias e conquistas, tão bem retratada nesta cativante obra.

ALMIR GARNIER SANTOS
Almirante de Esquadra
Comandante da Marinha